"(...) a humanidade é muito estranha. Que mais? Explicar que sou um grande homem e não digo que sou uma grande mulher pela mesma razão por que não existe onço, só onça, nem foco, só foca, tudo isso é um bobajol de quem não tem o que fazer ou fica preso a idiossincrasias da língua, como aquelas cretinas feministas americanas que queria mudar history para herstory, como se o his do começo da palavra fosse a mesma coisa que um pronome possessivo do gênero masculino, a imbecilidade humana não tem limites. Sou um grande homem fêmea, da mesma forma que os grandes homens machos são grandes homens machos, fica-se catando picuinha porque o nome da espécie é por acaso masculino e não neutro, como é possível que seja em alguma outra língua, como se a gramática resolvesse alguma coisa nesse caso. Explicar isso, não existem grandes homens e grandes mulheres, existem grandes homens machos e grandes homens fêmeas. não há nada mais ridículo do que galeria de grandes mulheres, isso e aquilo, fico morta de vergonha. A espécie é humana, como Panthera uncius, Panthera leo, um onça, no feminino por acaso, outro leão, no masculino por acaso, uma questão de língua exclusivamente. Explicar isso como quem explica a um marciano. A um terráqueo. Escuta aqui, terráqueo, deixa de ser débil mental. Bem, ambições inúteis (...). Que mais? Nada, (...)"
João Ubaldo Ribeiro, in "A Casa dos Budas Ditosos", pp.23-24
Tempo — definição da angústia. Pudesse ao menos eu agrilhoar-te Ao coração pulsátil dum poema! Era o devir eterno em harmonia. Mas foges das vogais, como a frescura Da tinta com que escrevo. Fica apenas a tua negra sombra: — O passado, Amargura maior, fotografada.
Tempo... E não haver nada, Ninguém, Uma alma penada Que estrangule a ampulheta duma vez!
Que realize o crime e a perfeição De cortar aquele fio movediço De areia Que nenhum tecelão É capaz de tecer na sua teia! .
As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu porém, terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mão à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro! Era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! e eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, no tempo em que o teu corpo era um aquário, no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor..., já se não passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas.
“Não podemos afirmar a inocência de ninguém, ao passo que podemos afirmar com segurança a culpabilidade de todos. Cada homem atesta o crime de todos os outros, eis a minha fé e a minha esperança. (…) As religiões enganam-se desde o momento em que pregam moral e fulminam mandamentos. Deus não é necessário para criar a culpabilidade nem para castigar. Para isso bastam os nossos semelhantes, ajudados por nós próprios. O senhor falava-me do Juízo Final. Permita-me que ria respeitosamente. Eu espero-o a pé firme: conheci o que há de pior, que é o juízo dos homens. Para eles, nada de circunstâncias atenuantes, mesmo a boa intenção é considerada crime.”
e Embaixador junto da Sereníssima Rainha de Inglaterra
Se eu, ilustríssimo Cavaleiro, manejasse o arado, apascentasse um rebanho, cultivasse uma horta, remendasse um fato, ninguém faria caso de mim, raros me observariam, poucos me censurariam, e facilmente poderia agradar a todos. Mas, por eu ser delineador do campo da natureza, atento ao alimento da alma, ansioso da cultura do espírito e estudioso da actividade do intelecto, eis que me ameaça quem se sente visado, me assalta quem se vê observado, me morde quem é atingido, me devora quem se sente descoberto. E não é só um, não são poucos, são muitos, são quase todos. Se quiserdes saber porque isto acontece, digo-vos que a razão é que tudo me desagrada, que detesto o vulgo, a multidão não me contenta, e só uma coisa me fascina: aquela, em virtude da qual me sinto livre em sujeição, contente em pena, rico na indigência e vivo na morte; em virtude da qual não invejo aqueles que são servos na liberdade, que sentem pena no prazer, são pobres na riqueza e mortos em vida, pois que têm no próprio corpo a cadeia que os acorrenta, no espírito o inferno que os oprime, na alma o error que os adoenta, na mente o letargo que os mata, não havendo magnanimidade que os redima, nem longanimidade que os eleve, nem esplendor que os abrilhante, nem ciência que os avive. Daí, sucede que não arredo o pé do árduo caminho, por cansado; nem retiro as mãos da obra que se me apresenta, por indolente; nem qual desesperado, viro as costas ao inimigo que se me opõe, nem como deslumbrado, desvio os olhos do divino objecto.
(…)
Apresento-vos agora a minha especulação acerca do infinito, do universo e dos mundos inumeráveis.
“Naquela noite de terça-feira de Agosto de 1965, Robert Kincaid encarou de frente Francesca Johnson. Ela retribuiu-lhe o olhar. A dez passos de distância, estavam presos um ao outro, sólida, profunda e inexoravelmente.
O telefone tocou. Ainda a olhar para ele, ela não se mexeu ao primeiro toque nem ao segundo. No longo silêncio que se seguiu ao segundo toque, e antes do terceiro, ele respirou fundo e olhou para baixo, para os sacos das máquinas fotográficas. Assim, ela foi capaz de atravessar a cozinha em direcção ao telefone, pendurado na parede mesmo por detrás da cadeira dele.
- Johnson… Olá, Marge. Sim, estou óptima. Na quinta-feira à noite? – Calculou: ele tinha dito que ficaria uma semana, chegara ontem, era apenas terça-feira. Decidir mentir foi fácil.
Estava junto à porta que dava para o alpendre, com o telefone na mão esquerda. Ele estava ao alcance da sua mão, de costas voltadas para ela. Ela estendeu a mão direita e pousou-a no ombro esquerdo dele, informalmente, como algumas mulheres fazem com os homens de quem gostam. Em apenas vinte e quatro horas, começara a gostar de Robert Kincaid.
(…)
A mão dela estava tranquilamente pousada nele. Sentia os músculos que iam do pescoço até ao ombro, mesmo por detrás do colarinho. Estava a olhar para baixo, para o farto cabelo grisalho com risco ao meio. Viu como cobria o colarinho. Marge tagarelava.
(…)
Apercebeu-se de como o corpo dele estava quente através da camisa. O calor chegava-lhe à mão, subia pelo braço, e dali espalhou-se pelo corpo dela, para onde queria ir, sem qualquer esforço – ou melhor, sem qualquer controle – da parte dela. Ele estava quieto, sem sequer fazer o menor ruído que pudesse suscitar a curiosidade de Marge. Francesca compreendia-o.
(…)
Perto do amanhecer, ergueu-se ligeiramente e disse, olhando-a bem nos olhos:
- É por isso que estou aqui neste planeta agora, Francesca. Não é para viajar nem para tirar fotografias, mas para te amar. Sei-o agora. Tenho andado a cair da borda de um sítio enorme e alto, algures no passado, há muitos anos do que já vivi nesta vida. E durante todos esses anos, tenho andado a cair na tua direcção.
Quando desceram, o rádio ainda estava ligado. Rompera a madrugada, mas o Sol escondia-se por detrás de uma nuvem fina.
- Francesca, quero pedir-te um favor. – Sorriu-lhe enquanto ela andava às voltas com a cafeteira.
- Diz. – Olhou para ele. “oh, meu deus, eu amo-o tanto”, pensou, trémula, desejando-o ainda mais, sem parar.
- Enfia as calças de ganga e a T-shirt que tinhas ontem à tarde, e as sandálias também. Mais nada. Quero tirar-te uma fotografia tal como estás agora de manhã. Uma fotografia só para nós dois.
Ela foi lá acima, sentimdo as pernas trémulas por ter estado enrolada nele a noite toda, vestiu-se e foi para o prado com ele. Tinha sido ali que tirara a fotografia para que ela olhava todos os anos.(…)”
Robert James Waller, in As Pontes de Madison County
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'Se quiser jantar novamente à hora em que
"as traças brancas voam", passe por cá hoje à noite,
depois de acabar o seu trabalho. A qualquer hora.'
Eis um livro que comprei em 1996 e que desde então ainda pego nele muitas vezes.
Infelizmente, já não está à venda em Portugal.
Há cerca de 3 anos quis comprar para oferecer e sempre que passava por uma boa livraria, entrava para o procurar... mas sem sucesso.
Fui então à Livraria das Livrarias: a querida Livraria Lello, onde aliás comprei o meu exemplar.
Nos meus tempos de Faculdade ía lá muitas vezes! Dois dedos de conversa sobre livros. Estar rodeada de livros! Tempo sempre bem passado!
Bom... estou a afastar-me do tema...! Pois então, lá fui eu à Lello, na esperança de encontrar o livro. Caramba! Eu queria mesmo, mesmo, oferecê-lo àquela pessoa.
Mas não... não havia. E nem sequer era possível encomendar. A edição em lingua portuguesa era (e é!) da editora Rocco, brasileira, e esta tinha deixado de comercializar em Portugal... fiquei tão desapontada... é que eu queria mesmo oferecer aquele livro àquela pessoa...
É um livro muito interessante. Se forem ao Brasil, não percam a oportunidade e comprem-no!
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"Os Mutantes têm muitas crenças; dizem que o teu caminho é diferente do meu caminho, que o teu salvador não é o meu salvador, que a tua eternidade não é a minha eternidade. Mas a verdade é que toda a vida é uma vida. Só está a decorrer um jogo. Há uma raça, muitos tons diferentes. Os Mutantes discutem o nome de Deus, que edifício, que dia, que ritual. Como veio Ele à Terra? O que significam as suas histórias? A verdade é a verdade. Se ferimos alguém, ferimo-nos a nós próprios. Se ajudamos alguém, ajudamo-nos a nós próprios. O sangue e os ossos estão em todas as pessoas. É o coração e o propósito que são diferentes. Os Mutantes só pensam nestes cem anos, no eu e no isolamento. O Povo Verdadeiro pensa na eternidade. Tudo é um, os nossos antepassados, os nossos netos ainda não nascidos, todo o que, em todo o lado, pertence à vida."
Marlo Morgan, in Mensagem do Outro Lado do Mundo, Ed. Rocco, pp.44
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A história de uma Americana, Marlo Morgan, que se lança involuntariamente numa expedição de quatro meses que mudará completamente a sua vida, andando descalça pelo remoto deserto australiano e tendo como companheiros de jornada uma tribo nómada de aborígenes... ...
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Vale a pena ler.
De repente, sentimos que também fazemos parte daquela viagem...
"A suposição de que a identidade de uma pessoa transcende, em grandeza e importância, tudo o que ela possa fazer ou produzir é um elemento indispensável da dignidade humana. (...) Só os vulgares consentirão em atribuir a sua dignidade ao que fizeram; em virtude dessa condescendência serão «escravos e prisioneiros» das suas próprias faculdades e descobrirão, caso lhes reste algo mais que mera vaidade estulta, que ser escravo e prisioneiro de si mesmo é tão ou mais amargo e humilhante que ser escravo de outrem."
Hannah Arendt, in A Condição Humana
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Muito actual, apesar de ter sido escrito em 1958. Aliás, é um livro que será sempre actual. Não é de leitura propriamente 'fácil'. É necessário tempo e disponibilidade mental para entender certas partes do livro. Mas acima de tudo, é necessária uma grande vontade de o ler e de apreender a densidade de informação que Hannah Arendt nos oferece nesta obra.
Hannah Arendt (1906-1975) nasceu em Hannover numa família de judeus alemães, tendo logo na sua infância ido viver para Konigsberg.
Devido ao nazismo foi forçada a fugir das denúncias à Gestapo e dos campos de uma morte quase certa. Primeiro foi para Paris, em 1933, e na década de 40 mudou-se para Nova Iorque, onde viveu até ao final dos seus dias.
É considerada uma das maiores filósofas do século XX.
Mary Bryant é a verdadeira história de uma jovem e sua luta para conquistar a liberdade e a dignidade de sua família na pequena colónia de Botany Bay, na costa do Oceano Pacífico - Austrália.
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No final do século XVIII, milhares de condenados foram transportados para a colónia penal britânica de Botany Bay, na Austrália. Apenas um deles teve a coragem necessária para esboçar uma fuga bem sucedida. Esta é a sua inspiradora história. Tudo começa em Inglaterra, em 1786, quando Mary, de 21 anos, é presa por roubo, sendo enviada, com centenas de outros prisioneiros, para uma nova colónia penal na Austrália, numa viagem que durará mais de 250 dias, em barco prisional, durante os quais lhe nasceu uma filha, casou com um outro prisioneiro e sonhou com a sua libertação!
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Esta história de vida, serviu também de inspiração a Lesley Pierce, que a contou no livro Nunca me Esqueças. Recomendo. Aliás, li o livro assim que foi editado em Portugal e só no fim de semana passado assisti, no Canal 2, à série televisiva. Desconhecia que a televisão Australiana tinha feito esta série em 2005. Posso adiantar que, apesar de ter gostado da mini-série (4 episódios), o livro é bastante mais interessante e 'prende-nos' à história de tal forma que nos sentimos por vezes em Botany Bay... ou então, à deriva no mar sob um Sol escaldante e mortal... ...
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Até onde iria por amor?
"Num dia… Com um gesto apenas… A vida de Mary mudou para sempre. Naquele que seria o dia mais decisivo da sua vida, Mary – filha de humildes pescadores da Cornualha – traçou o seu destino ao roubar um chapéu. O seu castigo: a forca. A sua única alternativa: recomeçar a vida no outro lado do mundo. Dividida entre o sonho de começar de novo e o terror de não sobreviver a tão dura viagem, Mary ruma à Austrália, à época uma colónia de condenados. O novo continente revela-se um enorme desafio onde tudo é desconhecido… como desconhecida é a assombrosa sensação de encontrar o grande amor da sua vida. Apaixonada, Mary vai bater-se pelosseus sonhos sem reservas ou hesitações. E a sua luta ficará para sempre inscrita na História. Inspirada por uma excepcional história verídica, Lesley Pearse apresenta-nos Mary Broad e, com ela, faz-nos embarcar numa montanha-russa de emoções únicas e inesquecíveis."
Um livro que li pela primeira vez há mais de dez anos, e que ainda faz parte dos meus 'livros de cabeceira'. Volta e meia, lá pego nele outra vez, outra, outra e mais uma ainda, abro à sorte e leio até ficar sem 'sede' deste livro por aquele dia...
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"Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a Terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro, e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e comprido. E, morrendo, sublima a própria agonia e solta um canto mais belo que o da cotovia e o do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mas o mundo inteiro pára para ouvi-lo, e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire à custa de um grande sofrimento... Pelo menos é o que diz a lenda."
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"O pássaro com o espinho cravado no peito segue uma lei imutável; impelido por ela, não sabe o que é empalar-se, e morre cantando. No instante em que o espinho penetra, não há nele consciência do morrer futuro; limita-se a cantar e canta até que não lhe sobra vida para emitir uma única nota. Mas nós, quando enfiamos os espinhos no peito, nós sabemos, compreendemos. E assim mesmo fazemo-lo."