Quinta-feira, 27 de Janeiro de 2011

 

 

 * * *

 

 

 

* * * 

 

 

 

* * * Artigo I * * * 

 Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

 
* * * Artigo II * * *

 Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

 

* * * Artigo III * * *

 Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

 

 * * * Artigo IV * * *

 Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

 

 Parágrafo único:

 O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

 

 * * * Artigo V * * * 

 Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

 

 * * * Artigo VI * * * 

 Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

 

 * * * Artigo VII * * * 

 Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

 

* * * Artigo VIII * * * 

Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

 

* * * Artigo IX * * * 

Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

 

* * * Artigo X * * * 

Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

 

* * * Artigo XI * * * 

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

 

* * * Artigo XII * * * 

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

 

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

 

* * * Artigo XIII * * *

Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

 

* * * Artigo Final * * * 

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem. 
 

 

Thiago de Mello, Os Estatutos do Homem  

Santiago do Chile, Abril de 1964

 

publicado por Cleópatra M.P. às 11:52
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Olá Mi.
Não conhecia o autor nem o poema, mas acho fantástico. dou um valor especial às ocorrencias do ano em que nasci. Em 64 tudo iria ser fantástico. Nem tudo falhou...
A estação espacial é um exemplo; pena que pouca gente saiba que existe!
José Moura Pereira a 28 de Janeiro de 2011 às 22:43

Olá Zé,

Obrigada pelo comentário. Gosto bastante deste poema de Thiago de Mello. Desde miúda sei de cor o Artigo V! É o meu favorito.

Tenho seguido o teu blog. Sabia que desenhavas muito bem, mas desconhecia as esculturas. Tens queda para as artes, é o que é! :-)

Volta sempre!
Cleópatra M.P. a 31 de Janeiro de 2011 às 20:43


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